De primavera em primavera,
Já lá vão dezassete
Nascida numa nova era
Em que tantos erros se comete
Num novo milénio
De pacífico uma ilusão
Um viver boémio
Um respirar com sofreguidão
Vi mestres da oração
Violar para sair
Da sua solidão
E mentir
Sobre a devassidão
Que causaram
Ouvi artistas que, com uma canção,
Me mudaram
Ouvi de inocentes
Encarcerados na cadeia
Soube de gentes e gentes
Injetando na própria veia
O antídoto para tudo
O que há de bom
Esperei ouvir de um mundo mudo
E deliciei-me com o seu som
Vi imbecis
Assumir a liderança
São estes tempos vis,
Mas ainda há esperança
Se o Homem não me conseguiu desiludir,
Esteve lá perto,
O suficiente para sentir
Que nada na Terra bate certo
Gritei para o vazio
Descobri com assombro
Que posso deitar fogo ao frio
E nem ver o encolher de um ombro
Tentei mudar o mundo
Mas foi o mundo que me mudou
Mas não desisto por um segundo
De ser quem mais longe chegou
Hei-de ser nome assente
Na mais esquecida memória
Hei-de orgulhar muita gente
Figurar nos livros de História
Eu não vi muito da vida
E a vida ainda não viu muito de mim
Pois que não me dou por vencida
Até me esquecer de porque luto assim
publicado às 16:59
É fome
Sempre que me lembro de ti
Vontade que me consome
Que me mata só por si
É morte
Que comigo teima
Uma dor forte
Que por dentro queima
É ardor
Que me leva de mim
Insuportável calor
Mas tão frio, por fim
É gelo
Que me enregela a alma
Mas prefiro tê-lo
Que enfrentar o silêncio, a calma
É o vazio
Tão cheio de nada
Que me deixa por um fio
Que me deixa esfomeada
Fome é sobre ti não ter qualquer pista
E mesmo assim seguir toda a tua ação
Fome é ter-te tão longe da vista
Quão perto estás do coração
publicado às 16:22
A noite canta
Uma melodia que espanta
Quem não reconhece a tristeza
E não conhece beleza
Como a tua.
Ilumina a lua
A cidade triste
Que ergue escudos em riste
Contra a solidão
E toda a dor de coração
Em que nos vieste deixar
Só lhes resta chorar.
As árvores estão nuas
E o teu nome ecoa pelas ruas
E eu sofro morosamente
Mas aguento decorosamente
As lágrimas que querem cair
Pois não irias sentir
Contentamento
Ao ouvir o meu lamento
Por não te ter nos meu braços
Restam os sorrisos escassos
Trazidos pelo vento
Ou talvez pelo sentimento
De que foste feliz enquanto cá estavas
De que sorrias enquanto batalhavas
A maior luta que havias de conhecer.
Luta que acabaste por perder.
Resta-me sorrir
Por ainda sentir
Os teus braços,
Quentes abraços
Que me confortam a alma
Que me aproximam da calma
O mais que é possível
E é incrível
O quanto podes estar comigo
Ser ainda o meu abrigo
Já tendo ido embora.
Fico agora
Com a ideia
Que me corre em cada veia
A saudade.
Vem a idade
Passam os anos
E nós ficamos
Entregues às memórias
Desses tempos, dessas glórias.
A cidade adormece
E no silêncio até parece
Que reina a paz
A noite que finda traz
Novas dores,
Novos amores,
Novos desafios,
Novos desvarios
Mas a saudade não vai de mim.
Melhor assim.
Quero sentir-te em toda a parte
Não quero esquecer como é amar-te.
publicado às 19:38
Eram os cavalos brancos
E as carruagens
Tempos belos, brandos
Que hoje são só miragens
Era um conto de fadas
De príncipes e princesas
Punhamos de lado as espadas
Para discutir as incertezas
Vencíamos dragões
Na nossa história encantada
Não tínhamos complicações
Agora, não temos nada
Os cavalos ficaram cansados
E as carruagens lascadas
Muitos segredos acumulados
Entre histórias mal contadas
Sem ele, fiquei vazia,
Cedi à tentação
De ficar todo o dia
Mergulhada em autocomiseração
Depois vim a a perceber
Que para toda a cinderela há fada madrinha
E que tudo o que tinha de fazer
Era encontrar a minha
Mas ela não aparecia
Procurei por todo o lado
Até que então vi-a,
Num espelho, o meu reflexo projetado
E pensei: porque não eu
Personificar a salvadora que me fascina
Aproveitar a força que a minha mãe me deu
E ser a minha própria heroína?
publicado às 10:28