purificação
Eu sei que a tempestade vai chegar. Sei que quando o sol nascer tu vais estar cá para me fazer sofrer. Vejo as nuvens que ao longe se formam. Pressinto os trovões que a soar não tardam. E só consigo pensar em ti. Já me esqueci da razão pela qual fugi. Tudo o que sei é que quero mergulhar nesses profundos olhos que me fazem viajar, que me levam a conhecer mundos que nunca sonhei encontrar. Quero-me entregar a esse sorriso por que me apaixonei. Quero regressar aos tempos de paraíso antes de ter começado a pensar que, se este constante medo é amor, então amar eu não sei.
Delicado, mas nunca em demasia. Interessado, mas quiçá cativado por outra qualquer maior magia. Cavalheiro, mas não a tempo inteiro. Misterioso. Segredos ocultados pelo eterno estado jocoso. Fascinei-me por essa tão dele procura pelo que não podia ter. Encantei-me, e em torno dele passei a viver. Nada mais importava quando, mais intensamente do que nunca, amava. Aquele amor era diferente e, se o meu estava sempre presente, eram imensas as vezes em que o dele se ausentava. Era difícil não me questionar se não me estava a dedicar a uma relação em que, demasiadas vezes, era a única disposta a amar. Difícil, mas não impossível. Não queria fazer perguntas que me levassem para longe da razão do meu respirar. Não conseguia imaginar destino mais terrível.
Não sei o que mais me magoou. Se foi senti-lo culpar-me por todo o mal que na vida lhe corria. Se foi reparar no monstro em que, da noite para o dia, se tornou. De intensamente apaixonado, a incrivelmente distante. De fiel namorado, a causador de sofrimento constante.
Ao longe, oiço o ribombar de um trovão. Sinto o medo, o agitar do meu coração. Cai a primeira gota sobre o meu colo. De raiva estremece o solo. Assobia o vento. É de tão forma violento, que nem te oiço chegar. Nem oiço a porta a bater. Para meu espanto, não corro para te abraçar. É a minha vez de viver. Está na hora de me escolher.